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sábado, 9 de julho de 2016

Eartheria

Bem-vindo à terra de Eartheria, uma terra que a desolação se tornou a grande rainha, devoradora de todos nós. Nós fomos pessoas felizes, ao extremo, até que percebemos que a felicidade era um erro, todo sentimentalismo, uma fraqueza. As mulheres consideraram o romantismo machismo ou fraqueza, coisa de imbecil, de quem queria apenas ser pisado. Em contrapartida, os homens passaram a desprezar todas as mulheres, desejando-as apenas para seus prazeres incontidos, sexualmente reprimidos. Pais e filhos passaram a inexistir como relação, pois se não havia sentimentos entre iguais, entre os pais e filhos então se tornou uma incógnita gigantesca.

E assim os homens e mulheres se uniram com o objetivo de criar seu próprio Index, sua censura, seu órgão de controle, sua Santa Inquisição, contra todos os vestígios de sentimentalismo que esse mundo produziu. Em cantorias, os seres da "era de transição" entre a "idade das trevas sentimental" e a "era de Aquarius do Imperador Ego" comemoravam cada um dos seus "triunfos".

Nunca mais teremos o pérfido Don Juan
Nem o de Tirso, nem o de Mozart, tampouco o de Byron
O Amor de Perdição de Castelo Branco foi demolido
Nenhuma Noite na Taverna, nenhum Azevedo as viverão

Que Fausto se junte a Goethe na morte eterna
Nunca mais Poe, corvos ou Virgínias
Que Alencar se afogue no rio de Iracema
As flores do mal de Baudelaire virem escórias cretinas

Nenhuma paixão mais, ao diabo com o desejo carnal
Todo amor é imbecil, torne-se em pecado capital

Nesse deserto de almas também desertas, não há mais nenhuma especial. Se Caio Fernando Abreu fosse de nosso reino nos dias atuais, teria se suicidado ao ver o nível de desolação que vivemos na atualidade. E seria uma bênção, para todos nós.

Todos nós?

Em alguns momentos, eu confesso que me sinto talvez um alienígena. Um subversivo, perdido num planeta caótico. Me sinto como Kamandi, o último garoto da Terra, solitário num universo tomado por animais "pensantes" e ninguém igual a si nunca mais.

Me sinto um ser em extinção. Eu gostava de lembrar de quando minha terra tinha palmeiras onde cantava o sabiá. As aves que gorjeiam aqui passam longe daquelas, hoje em dia só sobraram as aprisionadas em gaiolas, ou as mortas e empalhadas.

Eu gostava de lembrar da aurora da minha vida. Dos oito anos que nunca mais voltarão. Gostava de lembrar da mais bela no vapor do meu cachimbo, criatura vaporosa. Relembrar os tristes fantasmas, das mulheres que amei, gentis e puras. Das paixões que a solidão formava, nas inspirações de meu claustro. De ouvir uma boca dizer "vem" e após meu beijo dizer "morde também". De como salgueiro solitário junto ao lago suspirar, suspirar...

Saudade me dá das Moreninhas, Senhoras, Divas, até mesmo de relembrar das velhas memórias dos sargentos de milícias. Tudo isso gera em mim algo sublime... e ao mesmo tempo PROIBIDO! Oh, céus, eu fui contaminado pelo maldito sentimento, o amor! Ninguém pode saber de nada... NINGUÉM!

Droga... esqueci... você também é um deles... não me restará outra condenação a não ser ver os meus torturadores, meus acusadores, juízes insensíveis, sorrirem para minha situação pérfida e incauta enquanto sou obrigado a tomar a cicuta da depressão e o cianureto da desilusão enquanto decidem o que fazer com minhas partes que serão esquartejadas, minhas entranhas serão devoradas pelos corvos que certamente gritarão nos ouvidos do que sobrar de minha cabeça decapitada:

- NUNCA MAIS!

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